terça-feira, 16 de maio de 2017

Aluga-se-vende (sujeito a mudanças)

Acordei quando a luz roxa do mouse transparente tomava conta do quarto inteiro e fez questão de perturbar minha vista. Fiquei um tempo só ouvindo o zumbido do ventilador velho ligado. E suando de tanto calor naquela maldita noite de verão orquestrada por mosquitos insaciáveis. 3:54 am. Que saco. Esse cheiro de cigarro impregnado nos lençóis e a vontade de fumar. A porra da loja de conveniência não vende cigarros porque o Seu Zé é muito religioso. Acredita que esses dias fui lá no desespero comprar camisinha de madrugada e também não tinha? Que loja de conveniência mais inconveniente! Religioso, veja só... Aquele bigode amarelado não me engana. É tudo pose. Porque na hora de escorraçar o moleque faminto da sua soleira ele não rezou nem Pai Nosso tampouco Ave Maria pra pedir perdão.
E eu fui comprar camisinha por que, mesmo? Ah! Lembrei! Porque a dona-moça que trabalha de caixa por lá vivia me esnobando e eu queria mostrar que também podia ser feliz sem aquele par de pernas junto das minhas de madrugada. Perdi meu tempo. Ela havia pedido as contas dois dias antes porque estava grávida. "Porra, seu Zé!" pensei. Você acha que essa história cola? Não se esconde atrás do terço não porque eu sei que foi você quem rechaçou a dona-moça daí. Porque é religioso demais pra aceitar sexo antes do casamento. Dane-se. Ela nem era tão bonita assim. Só tinha as pernas bonitas. Mais nada. Agora vai ter um caíco pra carregar na barra das saias até ter varizes. Serão tantas que nem as pernas salvarão mais. "Porra, seu Zé!" pensei de novo. "Se o pai fosse eu, pagava o tratamento escleroterápico.”
Agora eu tô aqui suando, coçando, insone, sem banho, sem cigarro, sem chá de capim-limão e sem a china do seu Zé. Que merda. Acabei de lembrar que amanhã é o último dia pra pagar o aluguel desse quarto-e-sala abafado pro seu Teixeira, senão serei despejado. Ontem chegou outra carta de cobrança. Sei que é dele porque já é a quarta esse mês. Até que não seria tão mal assim ser despejado. Os bancos da José de Alencar ali no Catete são bem localizados na sombra do final de tarde e aí corre uma brisa formidável. Nem tenho tanta coisa pra levar mesmo. Só uns trapos velhos rasgados e umas velharias em forma de prosa. E o milho dos pombos. Porque um qualquer abandonado num banco de praça sem seus pombos não tem classe. "Porra, se o pai fosse eu, não pagava nem o aluguel."

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